escritos

2022

as escadas se fazem como atravessamentos de planos, como se fosse possível ir ao tempo daqueles que já se foram e voltar. como se, no movimento de descer ou ascender, nos desmaterializássemos na apreensão da luz no fim do túnel.

a conexão dos níveis do cemitério se faz com artifícios transversais aos muros de contenção, perfurações que exercem pressão naquele que ali passa. a sensação é do caminhar enclausurado entre os corpos, nós fazemos encerrados tal qual aqueles que ao lado fizeram casa.

o caminho é estreito e pouco iluminado.

assim como os corpos estão sob a terra, o capitel do muro de contenção faz um desenho em abóboda invertida para conter essa terra e proporcionar essa imersão àquele que decide transpor as cotas. como se não fosse necessário somente mentalmente passar por um simples orifício, mas se faz nesse desenho a importância da terra, seu peso, e o nosso corpo por baixo dela se movimentar.

“…en su visita acompañado de miralles y cómo, al bajar la escalera, éste le iba hablando a sus espaldas. al iniciar el descenso, enric empezó a susurrar: ‘ahora estas muerto, ahora estás muerto’. al abandonar el primer tramo de la escalera y salir al exterior, le dijo: ‘ahora estas vivo’. al continuar el descenso por la segunda escalera-lápida, le repitió: ‘estás muerto, estás muerto’ y al volver a salir al exterior, en la gran explanada, lo miró y le dijo: ‘ahora vuelves a estar vivo. ¿lo entiendes?”
(BESTUÉ, 2010, p.72 )

*BESTUÉ, David. Enric Miralles A Izquierda Y Derecha (también sin gafas). Barcelona, Editorial Tenov, 2010, p.73.